domingo, 5 de outubro de 2014

ainda a polémica em torno da «caminhada pela Vida 2014»


4 de Outubro  - réplica do P.e Nuno


Excelentíssimo Senhor Dr. José Maria Seabra Duque, muito estimado e caríssimo amigo,

Só agora lhe respondo porque a Caminhada pela Vida já terminou e não queria de modo nenhum agravar o sururu provocado por Fúrias imprevistas e surpreendentes que se levantou por um insignificante texto redigido por um mísero sacerdote.

Em primeiro lugar, agradeço muito a sua amável “Resposta Pública ao seu mal” 'Porque não irei este ano à Caminhada pela vida’ a que, para simplificar, chamarei “Carta aberta”. Nela, vossa excelência afirma textualmente: “ … o Padre Nuno nunca ter procurado saber nada sobre a Caminhada, nem ter pedido nenhuma informação antes de públicamente dizer que a Caminhada quase lhe cheira a enxofre. Ainda mais porque se tivesse vontade de saber mais sobre o assunto lhe bastaria um telefonema ou um mail.” Gostaria de perguntar a vossa excelência, caríssimo amigo, como é que sabe? A verdade é que não sabe (no meu tempo chamava-se a isso falso testemunho ou, pelo menos, juízo temerário); e eu sei que não sabe porque de facto falei 2 ou 3 vezes com uma pessoa da direcção da federação. Não falei com vossa excelência, sr. dr., porque desconhecia ser o coordenador-geral e a pessoa com quem falei, para além de estar desde o início na fpv, é aquela que considero (não desfazendo, como diz o povo) mais qualificada e abalizada nestes assuntos, e que me merece toda a confiança.

Em seguida, acrescenta o seguinte: "Contudo preferiu atacar públicamente uma inciativa que tanto trabalho custou a tantas e tantas pessoas que durantes anos lutaram a seu lado na defesa da Vida. Que um desconhecido fale assim da Caminhada ou da Iniciativa Legislativa de Cidadãos que nela vai ser lançada ainda se pode compreender. Agora que um amigo, um sacerdote, o faça, sem ter procurado antes esclarecer o assunto é uma dor.” Confesso que me espanta esta coisa que parece ter-se instalado em muitos espíritos de que discordar é atacar e ofender. Que os ideólogos LGBTQI advoguem isto já acho extraordinário, mas que sejam católicos a defendê-lo deixa-me sem palavras. Aliás, caríssimo sr. dr., basta ler os livros que publiquei e os textos posteriores para verificar os elogios e a gratidão que sinto pela vossa grande generosidade e enorme sacrifício no empenho que sempre têm mostrado na defesa e promoção da vida humana e da família.

No parágrafo seguinte, vossa excelência, afirma: "Penso que é também uma falta à caridade cristã e ao dever que cada um tem de corrigir o seu irmão em privado, antes de o fazer publicamente. Mas esse juízo deixo-o ao Bom Deus e à sua consciência.” Eu, admito, penso exactamente o contrário. E faço-o, porque anda por aí espalhada, desde há muito, uma falsa interpretação dos Evangelhos. De facto, quando nestes Jesus diz para chamar o irmão à parte e, depois, se ele se obstina, trazer testemunhas e, se ainda assim, persiste na ofensa, tratá-lo com um publicano, está a ensinar como se deve o cristão comportar quando a ofensa não é pública. A prova disto mesmo não se encontra somente nos melhores intérpretes da Sagrada Escritura mas também e principalissimamente no exemplo de Jesus. Convido vossa excelência, sr. dr., a reler os Evangelhos, por exemplo, o de S. João; experimente lê-lo de seguida, de uma só vez, e, provavelmente, advertirá uma coisa em que nunca reparou: as vigorosas e implacáveis polémicas de Jesus Cristo com os sacerdotes, os escribas, os fariseus… Quando as coisas eram públicas, como sucede no caso em apreço, as exortações, as críticas, as admoestações também o eram. Isto sempre foi assim na Igreja, durante séculos e séculos. Aliás o bom amigo, caríssimo sr. dr., faz na sua resposta exactamente aquilo que condena, tornando-a pública. Eu, por mim, acho muito bem que a tenha publicitado. Aliás não tenho nenhuma dúvida que me crítica de boa-fé e com recta intenção; e, embora possa não concordar, estou-lhe agradecido.

Depois continua: "Deixe-me também dizer-lhe que embore aprecie a sua posição moral clara e intransigente em relação ao aborto, ela é abstracta e por isso pouco útil. Para mim, assim como para todos os que organizam a Caminhada Pela Vida, o aborto é uma questão muito concreta: todos os dias nos hospitais e clínicas de Portugal são mortas crianças. E cada uma dessas vidas tem um valor infinito. Por isso qualquer homem de boa vontade que queira ajudar a travar este flagelo é neste combate meu irmão e meu camarada.” Devo-lhe dizer, sr. dr., que, graças a Deus, não sou utilitarista. O utilitarismo é uma coisa horrorosa e perigosíssima. Por isso, não creio que ao escrever o que redigiu subscreva essa ideologia; melhor, posso afirmar, daquilo que conheço de vossa excelência, que não o é. Permita-me, no entanto, perguntar-lhe como é que sabe que o meu empenho é “abstracto”e que para mim o aborto não é uma questão muito concreta e que ignoro, subentende-se, com indiferença, que todos os dias nos hospitais e clínicas de Portugal são mortas crianças? Repito, como é que sabe? Saberá de outiva? Olhe que parir (esta expressão é usada por Manuel Bernardes e outros clássicos e não tem nenhum sentido pejorativo) pelos ouvidos pode ser muito injusto e mesmo fatal. A verdade é que não o sabe e, por isso,admito que seja um descuido, compreensível, provocado pela pressa com que escreveu a sua resposta. Se assim não fora, seria uma calúnia. Não é que me incomode por aí além, por vezes até agradeço, a detração que sobre mim recai, mas não parece a vossa excelência que isto poderá ser prejudicial para o combate em que estamos empenhados? Demais vossa excelência também não pode ignorar que, igualmente para mim, toda a pessoa de boa-vontade é  um irmão bem-vindo.

Acrescentas ainda uma acusação tremenda: "O Padre Nuno não vem à Caminhada porque a ela se juntam políticos que vêm publicamente defender a Vida. Pois esses políticos, apesar do risco que correm nos seus partidos e do desdém daqueles fariseus que dão uma volta de vinte passos ao passar por eles, vão publicamente dar a cara contra o aborto.” Esta pedrada é uma manifesta falsidade da qual seguramente, o meu bom e estimado amigo, não se deu conta. De facto, isso não consta em parte alguma no texto que redigi. Como saberá, se a memória não é curta, a minha recusa pessoal, não incitei ninguém a fazer o mesmo que eu (fique bem claro), fundamentou-se no facto de haver uma iniciativa legislativa coincidente com a “apoteose”, ou se quiser com o culminar da Caminhada, que ninguém, a não ser os organizadores (pelos quais tenho aliás grande estima), conhecia. Acresce que o texto completo da proposta do projecto-lei não ia ser distribuído, de modo a que as pessoas pudessem ajuizar da conveniência ou inconveniência de o assinarem. Este é o ponto. É ou não legítimo discordar ou ter dúvidas, e manifestá-las, da conveniência da fpv apresentar uma proposta como esta, também a de aproveitar a Caminhada pela vida par o fazer? Mais, não é de elementar justiça e bom-senso que todos possam conhecer exactamente o que assinam? Em relação aos políticos, saberás que a notícia da RR que rezava o seguinte: “Iniciativa vai ser apresentada este sábado em Lisboa, no final da Caminhada pela Vida, e conta com o apoio de políticos ligados aos quatro principais partidos, incluindo a CDU."  Aliás, para ela remeto no texto que escrevi no dia seguinte a esta informação. Esta foi-nos enviada por um jornalista, que julgo ser nosso amigo comum, muito sério e honrado, que, de há muitos anos, participa do mesmo combate. Não havia razão alguma para desconfiar da veracidade da mesma e isso seria suficiente para perceber que o meu texto foi redigido de boa-fé. É verdade que qualquer pessoa pode enganar-se, no caso o jornalista que nos enviou a notícia, também de boa-fé. O que me parece incompreensível é que 24 horas depois não houvesse nenhuma correcção solicitada pela fpv. E aqui meu bom e excelente amigo era a fpv que tinha a estrita obrigação tratar disso. Daí que todos os erros cometidos pelos que se fiaram na informação devem ser imputados à mesma federação.

Por fim, de dedo em riste ameaças, condicionalmente, até parece chantagem: "Se o padre Nuno acha que a nossa companhia é indigna da sua presença, se prefere apregoar em voz alta "Senhor, obrigado por não me teres feito um pecador como estes" está na sua liberdade. Mas acredite que me entristecerá a mim, assim como a tantos que muitas vezes estiveram a seu lado, o seguiram e o apoiaram na sua luta contra o aborto.” Por outras palavras, ou vem ou é um fariseu, naturalmente hipócrita, que se considera justo e despreza os outros. Se é verdade que tu és um pecador, como parece afirmares, quem sou eu para não acreditar em ti? Noto somente que, como admites, caminhámos e, se Deus quiser, continuaremos a fazê-lo, juntos pelo que sinto-me um pouco confuso: se tu és pecador, como se depreende do que escreves, e caminhámos unidos, que sentido faz acusares-me de achar que a tua e a presença dos outros é indigna da minha. Eu não me importo que me chamem fariseu e tudo o mais que quiserem, penso que só me fará bem. Mas, talvez não seja um despropósito lembrar que em variadíssimos textos meus me confesso como tal. Não obstante, a mentira ser um pecado, espero que vossa excelência acredite nessas afirmações. Poderia ainda falar-lhe de várias minhas companhias, mas creio que não será necessário nem adequado.

Aceite vossa excelência, sr. dr., os meus mais cordiais cumprimentos.
Imploro, como pediu, a Deus que lhe conceda a Sua bênção e confio-me às suas orações
P. Nuno Serras Pereira

PS – Por minha parte dou como encerrada esta amável polémica.

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3 Outubro - resposta de José M. Seabra Duque (ao artigo "Porque não irei, este ano, à caminhada pela vida")

 Caro Padre Nuno,
escrevo-lhe com dor depois de ter lido o texto onde explica as razões porque não vai à Caminhada Pela Vida de amanhã.
Dor porque tenho por si uma grande estima e admiração, fruto do trabalho que eu, desde pequeno, o vejo desenvolver na defesa da vida desde o momento da concepção. E por isso doi-me a desconfiança com que fala da Caminhada Pela Vida deste ano, da qual sou Coordenador-Geral.
Mas sobretudo dor por o Padre Nuno nunca ter procurado saber nada sobre a Caminhada, nem ter pedido nenhuma informação antes de públicamente dizer que a Caminhada quase lhe cheira a enxofre. Ainda mais porque se tivesse vontade de saber mais sobre o assunto lhe bastaria um telefonema ou um mail. Contudo preferiu atacar públicamente uma inciativa que tanto trabalho custou a tantas e tantas pessoas que durantes anos lutaram a seu lado na defesa da Vida. Que um desconhecido fale assim da Caminhada ou da Iniciativa Legislativa de Cidadãos que nela vai ser lançada ainda se pode compreender. Agora que um amigo, um sacerdote, o faça, sem ter procurado antes esclarecer o assunto é uma dor.
Penso que é também uma falta à caridade cristã e ao dever que cada um tem de corrigir o seu irmão em privado, antes de o fazer publicamente. Mas esse juízo deixo-o ao Bom Deus e à sua consciência.
Deixe-me também dizer-lhe que embore aprecie a sua posição moral clara e intransigente em relação ao aborto, ela é abstracta e por isso pouco útil. Para mim, assim como para todos os que organizam a Caminhada Pela Vida, o aborto é uma questão muito concreta: todos os dias nos hospitais e clínicas de Portugal são mortas crianças. E cada uma dessas vidas tem um valor infinito.
Por isso qualquer homem de boa vontade que queira ajudar a travar este flagelo é neste combate meu irmão e meu camarada.
O Padre Nuno não vem à Caminhada porque a ela se juntam políticos que vêm publicamente defender a Vida. Pois esses políticos, apesar do risco que correm nos seus partidos e do desdém daqueles fariseus que dão uma volta de vinte passos ao passar por eles, vão publicamente dar a cara contra o aborto.
Por isso prefiro amanhã caminhar ao lado daqueles que, tão imperfeitos e limitados como eu, se juntam para publicamente defender cada vida. Se a Caminhada de amanhã salvar uma vida, eu já fico contente. Se der força a um projecto-lei que pode diminuir o número de abortos em Portugal, mais contente fico.
Se o padre Nuno acha que a nossa companhia é indigna da sua presença, se prefere apregoar em voz alta "Senhor, obrigado por não me teres feito um pecador como estes" está na sua liberdade. Mas acredite que me entristecerá a mim, assim como a tantos que muitas vezes estiveram a seu lado, o seguiram e o apoiaram na sua luta contra o aborto.
Despeço-me, pedindo que aceite a minha filial saudação em Cristo e pedindo-lhe a Sua Benção.