Nuno Serras Pereira
07.
10, 2014
1. Pouco
tempo depois de ter enviado o texto em que dizia dos meus motivos para este ano
não participar na Caminhada pela Vida, recebi da parte de um membro da direcção
da fpv uma mensagem, que agradeço, na qual me enviava, sob condição de embargo,
o/s texto/s que eu reclamara por não ser/em do conhecimento público.
2. Tive
então a oportunidade de ler a “iniciativa legislativa de cidadãos – lei de apoio
à maternidade e paternidade – do direito a nascer”. Em tudo o que adiante
escreverei tenham sempre em conta que parto do princípio que quem elaborou e
assinou esta iniciativa o fez com recta intenção e de boa-fé, julgando que
seguiam o nº 73 da Encíclica O Evangelho da vida.
Confesso
que me entusiasmaram muitas das medidas propostas, mas esse regozijo foi, pouco
a pouco, esmorecendo à medida que cresciam em mim interrogações e dificuldades que
me deixaram perplexo.
Por
exemplo, querer fazer aprovar uma lei do direito a nascer no quadro de uma
“lei” que liberaliza o aborto não será algo de parecido com empenhar-se numa
iniciativa legislativa que queira fazer aprovar o direito à indissolubidade no
casamento no quadro da actual “lei” que liberaliza o divórcio-expresso-sem
culpa? Não sou jurista mas pergunto-me se nos levarão a sério, caso
subscrevamos esta iniciativa – trata-se de uma dúvida que pessoas competentes
nesta matéria certamente esclarecerão.
Também
na exposição dos motivos, nº 8, se afirma que o aborto foi despenalizado por
referendo. Ora é sabido de todos que o referendo não foi juridicamente válido.
Mais, poderá a fpv admitir e afirmar que qualquer tipo de referendo, mesmo que
válido juridicamente segundo a “lei” positivista em vigor, o seja realmente?
Alguma vez seria admissível admiti-lo e afirmá-lo em relação a um referendo que
despenalizasse o gaseamento de judeus?
3. Passemos
adiante que me falta o tempo para tudo esmiuçar. O Art. 6º (Acompanhamento e apoio psicológico e social)
indica-se o acompanhamento da mulher que pediu o aborto para consulta e acompanhamento
interdisciplinar com pelo menos um psicólogo e um assistente social, no 16º f)
impera-se a consulta de acompanhamento psicológico e por técnico de serviço
social durante o período de reflexão. Eu creio que tudo isto que aqui é dito
tem como finalidade dissuadir a mãe grávida a não abortar o seu filho. Creio
que com a esperança de que alguns defensores e promotores do direito a nascer
consigam desse modo salvar algumas vidas de crianças nascituras e salvaguardar
as suas mães de graves consequências psicológicas e espirituais, resultantes do
homicídio de seus filhos. No entanto, se assim é, isso suscita-me pelo menos
duas objecções:
a) “Apostar” nos psicólogos e assistentes
sociais será (é isso que concluo dos estudos que tenho feito e conhecimentos
que tenho adquirido) uma roleta russa invertida, isto é, em vez de haver uma só
bala no tambor cilíndrico do revólver, apenas lhe falta um projéctil. Poderia
trazer aqui bastantes exemplos mas não me sobra o tempo.
b) O
facto de a consulta e o acompanhamento serem um requisito não vejo como se
poderá deixar de exigir um certificado como garantia do seu cumprimento. A ser
assim, como cuido que terá de ser, isso equivalerá a um passaporte para o homicídio na forma de abortamento.
Na
Alemanha formaram-se organizações católicas no intuito de propor, com ajudas
muito concretas e consistentes, todas as alternativas às mães grávidas que
queriam matar seus filhos nascituros. Apesar de terem conseguido salvar um
número significativo de vidas, não o conseguiram de muitas outras. Estas
organizações eram reconhecidas pelo estado e estavam integradas no sistema. Por
isso, tinham que passar certificados a todas as mulheres que queriam destruir
os seus bebés, antes de nascerem. Esse atestado servia de passaporte para exterminarem
esses nossos irmãos, totalmente inocentes e eminentemente vulneráveis. Esta
situação gerou um escândalo enorme, no sentido verdadeiro da palavra,
corrompendo as mentalidades e as consciências. Entretanto havia filósofos e
teólogos que esgrimiam controvérsia argumentando uns que se tratava de uma
cooperação formal com o genocídio e outros, pelo contrário, sustentavam que era
material. S. João Paulo II não quis ou não achava necessário dirimir a questão
teológica, mas insistiu quer pessoalmente quer através da Congregação para a
Doutrina da Fé, para que se pusesse imediatamente cobro a essa prática, uma vez
que era de uma gravidade extrema. Não pode existir a mínima dúvida de qual é a
posição da Igreja e, portanto, dos Católicos sobre a defesa da vida. Não se
pode admitir qualquer tipo de ambiguidade. Quase todo o episcopado germânico
opôs-se obstinadamente às directivas e mandatos de Roma. Os seus representantes
foram de novo chamados a Roma e foi-lhes dito, claramente, que ou obedeciam ou
seriam considerados cismáticos. Ao que parece S. João Paulo II considerou a
matéria tão grave que, para terminar de vez com aquela situação, não recuou nem
hesitou perante a eminência ou ameaça de um cisma na Igreja.
Meus
bons e pacientes amigos e leitores, se há coisa que muito me custa e cansa é
escrever, mas apesar de esbodegado vou tentar chegar ao fim, ainda esta
madrugada - desculpem lá o desabafo...
4. O
Art. 2º (Consulta, informação e
acompanhamento) e o Art. 16º (consulta
prévia) g), exigem a obrigatoriedade
e requisito de verificação necessária para que seja praticada a
eliminação violenta e letal dos petizes. O Art. 19ª (Interrupção da gravidez) 4 - b), reza que os estabelecimentos
oficiais ou oficialmente reconhecidos devem garantir às mães grávidas que
suprimem, escangalhando-os, seus filhos a marcação de uma consulta de saúde
reprodutiva/planeamento familiar a realizar no prazo máximo de 20 dias após a
matança dos seus pequeninos.
a)
Embora a expressão planeamento familiar seja usada por alguns católicos para se
referirem aos métodos naturais de regulação de fertilidade todos sabemos que na
sua esmagadora maioria é usada pelos agentes de saúde, pelo legislador, pelos
políticos como sinónimo de contracepção, temporária ou definitiva. Demais não
há centro de saúde nem hospital que a ela não recorra, que não pressione os
pacientes a fazerem dela uso ou mesmo a impô-la abusiva e subrepticiamente.
b)
Apesar de, como ensina O Evangelho da vida nº 13, a contracepção e o aborto
serem males diversos - pois enquanto a primeira priva o acto sexual da sua
integridade, opondo-se à virtude da castidade, o segundo destrói a vida de um
ser humano -; a verdade é que, como afirma no mesmo número, o recurso à
contracepção cria uma mentalidade que conduz ao aborto. Não é preciso ser
católico para dar razão ao Papa. Quem lê estes rabiscos que vou redigindo sabe
muito bem que já apresentei informação abundantíssima, fornecida pelos mais
eminentes propugnadores ao longo de décadas, que o uso da contracepção não
diminui mas, pelo contrário, aumenta o número de abortos. Também não se pode
escamotear que há uma vasta gama produtos que são apresentados como
contraceptivos quando na realidade funcionam frequentemente como abortivos,
sendo que isso é, propositadamente, ocultado às mulheres que vão a essas
consultas. Não vejo pois de que modo é
que isso poderá contribuir para aquilo que se diz querer diminuir, isto é, o
número de abortos. Alguém tem dúvidas na fpv que as pessoas minúsculas antes de
se aconchegarem no útero materno têm o mesmo valor, a mesma dignidade, do que
qualquer um de nós?
Estou
em que o que disse acima no nº 3 b) se aplica aqui ainda com maior vigor.
c) Para
além disso temos que considerar atentamente outras consequências devastadoras: Há
indicações, mesmo provas maciças, que o recurso à contracepção tem tido um
papel decisivo e principal no aumento exponencial do divórcio, gerou a
fecundação artificial extracorpórea, com a consequente destruição de centenas
de milhares ou milhões, a experimentação letal nas pessoas no seu estado
embrionário, a clonagem, a coisificação dos filhos e também das mulheres, a
nova escravatura gerada pelas barrigas de aluguer, a ideologia lgbtqi e a do
género, etc.
Sinceramente,
não vejo como seja possível diminuir o número de abortos indo por aqui.
5. É
certo que na proposta ou iniciativa legislativa há muitos pontos positivos, que
poderiam ser aproveitados, não para esta petição, no meu entender, mas talvez para
uma outra mais cuidada.
6.
Ficou muita coisa por dizer e desenvolver, mas não aguento mais. Somente tenho
forças para dizer que entendo que não posso subscrever nem apoiar esta
iniciativa.
Nossa
Senhora do Rosário intercedei por nós. Ámen.